#014. Você sente que já tentou de tudo — mas e se o problema for outro?
O que aprendi depois de liderar diferentes equipes com os mesmos desafios
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Vamos juntos ampliar essa rede de lideranças intencionais.
Agora vamos ao artigo da semana! Boa leitura!
Demorei anos para perceber que minha frustração com algumas pessoas que eu liderava estava mal direcionada.
O problema não era uma pessoa em si — era o sistema que moldava o comportamento dela.
Você já se viu resolvendo o mesmo problema pela terceira vez?
A situação muda de nome, o colaborador é outro, o projeto é diferente... mas o enredo é o mesmo. Você corrige, realinha, conversa — e algumas semanas depois, tudo volta a acontecer.
A primeira reação é comum: culpar a pessoa.
Talvez ela não tenha entendido, não esteja comprometida, ou — quem sabe — não seja mesmo a pessoa certa para o cargo.
Mas e se a questão for mais profunda?
E se o problema recorrente não for sobre pessoas, mas sobre sistemas mal desenhados?
O ciclo que se repete (e esgota líderes)
Líderes experientes caem frequentemente na armadilha de corrigir comportamentos sem revisar os sistemas que os criam.
E o preço disso é alto:
Tempo gasto com retrabalho
Cansaço mental por lidar com as mesmas situações
Desmotivação da equipe, que sente que nada muda
Rotatividade disfarçada de “má performance”
Na prática, trocar pessoas sem ajustar os sistemas é como trocar o piloto quando é o GPS que está quebrado. Você pode até mudar o condutor — mas o mapa do caminho continua te levando para congestionamentos indesejados.
Sistemas criam comportamentos previsíveis
Não existe uma organização disfuncional. Toda organização está perfeitamente alinhada para alcançar os resultados que ela atinge atualmente — Jeff Lawrence
Essa frase parece dura à primeira vista.
Ela nos convida a uma mudança radical de perspectiva: em vez de focar apenas em um indivíduo, precisamos observar o ambiente que molda o comportamento.
Sistemas são tudo aquilo que, consciente ou inconscientemente, orienta como as coisas são feitas: políticas, processos, rotinas, normas sociais, plataformas, cultura, estrutura organizacional, onboarding, comunicação interna...
Tudo isso configura o sistema — que, muitas vezes, opera fora do radar da liderança.
Mas por que é tão difícil enxergar o sistema?
Como lembra Peter Senge em A Quinta Disciplina:
“Causa e efeito não estão próximos no tempo e no espaço.”
Ou seja: o comportamento que você está vendo hoje pode ser consequência de uma decisão tomada meses (ou até anos) atrás — em outro departamento, com outra liderança, ou numa lógica organizacional que já nem faz mais sentido.
Quando culpar a pessoa é mais fácil (e perigoso)
Vamos a um exemplo prático:
Você tem um colaborador que não entrega relatórios dentro do prazo.
Você conversa, orienta, cobra.
Na segunda vez, aplica um feedback mais firme.
Na terceira, pensa: “ele não serve para isso”.
Mas... você checou o sistema?
Existe um modelo claro de relatório?
O prazo foi alinhado ou estava somente nas entrelinhas?
Há alguma sobrecarga no calendário que torna o prazo inviável?
A plataforma usada facilita ou atrapalha a entrega?
Outras pessoas da equipe também têm dificuldades semelhantes?
Quando o mesmo tipo de problema acontece com frequência, é o sistema que precisa ser inspecionado antes da pessoa ser responsabilizada.
Cultura também é um sistema
Muitos líderes querem mudar a cultura de suas equipes, mas tentam fazer isso por iniciativas e discursos.
A verdade?
Cultura é comportamento. E comportamento é moldado e sustentado por sistemas.
Quer mais colaboração? Crie sistemas que estimulem trocas — como reuniões interdepartamentais, ferramentas abertas de gestão ou espaços informais de conversa.
Quer mais inovação? Crie um sistema que valorize tentativas, compartilhe aprendizados e celebre experimentações (inclusive as que falham).
Quer mais foco em resultado? Crie sistemas de acompanhamento que mostrem progresso — e não apenas esforço. (Se quiser saber mais sobre como fazer isso, leia o artigo #012. O que os melhores líderes sabem sobre metas que a maioria ignora?)
Você não muda uma cultura tentando mudar pessoas.
Você muda a cultura mudando sistemas que moldam o ambiente.
O poder de um bom sistema: o que podemos aprender com a Amazon
Na maior parte das organizações, há um sentimento generalizado de que as reuniões são longas, desorganizadas e pouco produtivas. (Quem nunca pensou: “essa reunião poderia ter sido um email”?)
Um olhar desatento pode sugerir que trata-se de um problema de comportamento — mas, na verdade, é um problema sistêmico.
Na Amazon, três práticas simples moldam comportamentos completamente diferentes — e fazem parte da cultura da empresa até hoje.
1. Começar com a leitura de um “memo narrativo”
Nada de slides.
Nas reuniões importantes, todos começam lendo em silêncio um documento de até seis páginas, preparado por quem convocou o encontro.
Esse “memo” precisa trazer contexto, dados, alternativas e uma recomendação clara.
Ou seja: quem lidera a reunião precisa organizar o pensamento antes de reunir o time.
O resultado?
Todos chegam com o mesmo nível de informação. A discussão parte de uma base concreta.
Menos improviso. Mais intencionalidade
2. Reunir apenas as pessoas necessárias
Para isso, a Amazon tem uma regra simples e memorável.
A “regra das duas pizzas” estabelece que se duas pizzas não forem suficientes para alimentar todos os participantes, há pessoas demais na reunião.
Pode parecer trivial. Mas a lógica é poderosa.
Equipes pequenas significam menos distrações, mais foco e participação ativa.
Todos têm espaço para contribuir — e ninguém está ali apenas “assistindo”.
Esse sistema evita reuniões infladas por conveniência política ou protocolos vazios.
E reforça um princípio essencial: só deve participar quem pode gerar valor real naquela conversa.
3. Manter uma cadeira vazia representando o cliente
Em algumas reuniões da Amazon, uma cadeira permanece vazia.
Ela representa o cliente — aquele que será afetado pelas decisões, mas que não está na sala.
É um lembrete visual poderoso: o cliente precisa estar no centro, mesmo quando se discute um problema interno.
Essa prática simbólica molda o comportamento.
Evita decisões autocentradas e reforça a responsabilidade pelo impacto externo.
Se você quiser conhecer mais da cultura e sistemas da Amazon, recomendo fortemente a leitura do excelente livro A Loja de Tudo, de Brad Stone. Há também um sequência do mesmo autor chamada Amazon sem limites, a qual não tive a oportunidade de ler ainda.
Quando for intervir em sistemas, espere algum nível de resistência
Tenho certeza de que, no início, essas práticas causaram estranhamento.
Mudanças sustentáveis exigem repetição, clareza e coragem para manter o novo rumo — mesmo quando ele parecer desconfortável.
Somente com consistência é que elas foram incorporadas, reforçadas e replicadas — até se tornarem um sistema forte e único, que moldou a cultura singular da Amazon.
Sistemas únicos criam culturas singulares
Pode ser tentador ler sobre essas “boas práticas” e querer replicá-las no seu próprio contexto.
Mas deixe-me dizer com clareza: provavelmente, elas não funcionarão.
Essas práticas funcionam na Amazon porque nasceram de um sistema coerente com sua cultura — não porque sejam fórmulas universais prontas para copiar e colar.
Essa distinção é fundamental - e muitas vezes ignorada.
Observo há anos com um olhar crítico algo muito comum nas empresas:
Dá-se demasiado valor “as melhores práticas” do momento sem uma profunda compreensão adequada de seu contexto e de seus fundamentos.
Como consequência, temos hoje uma multidão de organizações que se parecem entre si, sem identidade clara, por estarem preocupadas demais em estarem alinhadas com a última tendência organizacional.
É como se todas estivessem tentando cumprir o mesmo checklist do que está funcionando no mercado, mas sem uma identidade clara, viva, intencional.
A ironia?
As empresas mais relevantes raramente seguem a última onda.
Elas têm clareza. Sabem quem são. Valorizam sua cultura — não como palavras emolduradas na parede, mas como um sistema de decisões, valores, rituais e prioridades que fazem sentido em seu próprio contexto.
O Chick-fil-A é um exemplo notório.
Durante anos, manteve a decisão de não abrir aos domingos, por conta de seus valores, contrariando a lógica dominante do setor.
E mesmo assim — ou talvez justamente por isso — tornou-se uma das redes mais lucrativas da indústria.
Mas não se trata de copiar o Chick-fil-A.
Essa prática só faz sentido dentro do sistema de valores e de gestão deles.
Fora disso, seria apenas um gesto vazio — mais uma moda mal interpretada.
E esse é o ponto:
👉 Sistemas coerentes geram comportamentos funcionais que produzem resultados.
👉 Práticas isoladas, replicadas fora de contexto, raramente geram resultado.
Peter Senge articula isso com precisão cirúrgica ao criticar a obsessão por modelos prontos:
Conforme um gerente da Toyota comentou certa vez após guiar centenas de visitas a executivos:
“Eles sempre dizem:
‘Ah, você tem um sistema Kan Ban, nós também.
Você tem círculos de qualidade, nós também.
Seus funcionários se encaixam no perfil necessário para exercer suas funções, os nossos também’.
Eles veem as partes.
O que não enxergam é de que maneira todas as partes trabalham juntas.
E completa:
“Não acredito que as grandes organizações tenham se desenvolvido tentando emular outras — assim como não se pode alcançar a grandeza individual tentando copiar outra 'grande personalidade'.”
Não é sobre seguir tendências.
É sobre construir clareza organizacional — e o sistema certo para sustentá-la.
As 3 perguntas que revelam falhas invisíveis
Isso começa com uma habilidade fundamental: enxergar os sistemas invisíveis que operam nos bastidores.
Em outras palavras, precisamos de um sistema para avaliar os sistemas da organização.
Aqui estão 3 perguntas que todo líder deveria fazer regularmente para identificar e reprogramar sistemas ineficazes:
1. O que está funcionando?
Quais áreas ou processos operam com fluidez, quase sem sua intervenção? O que pode ser aprendido e replicado?
Exemplo: Seu processo de integração de novos colaboradores tem alta satisfação? Talvez existam boas práticas ali que podem ser levadas para outras áreas.
2. O que quebra com frequência?
Que problemas se repetem? Que situações costumam consumir uma energia desproporcional?
Exemplo: Sempre que há troca de gestor, o time entra em caos? Pode haver um sistema de transição ou documentação frágil que dependa demais do estilo pessoal de quem lidera.
3. O que está bloqueando o caminho?
Quais regras escritas (ou não) atrapalham o progresso?
Exemplo: Talvez você tenha uma cultura de “não incomodar o gestor”, o que impede a equipe de trazer problemas antes que virem crises.
Essas três perguntas, feitas com regularidade, podem ser a chave para transformar retrabalho em clareza — e frustração em fluidez.
Antes de trocar pessoas, reavalie seus sistemas
Essa é uma armadilha comum na liderança: mudar o colaborador é mais rápido do que revisar o sistema.
Mas sem mudar o sistema, o problema volta.
Com outro nome. Outro rosto. A mesma raiz.
Como lembra Peter Senge em A Quinta Disciplina: “Os problemas de hoje vêm das soluções de ontem.”
Muitas vezes, os comportamentos que frustram você hoje são frutos de estruturas, políticas ou rotinas que pareciam fazer sentido no passado — mas que agora estão desatualizadas ou desalinhadas com a realidade atual.
Claro, há momentos em que a troca de pessoas é necessária. Mas quando isso se torna frequente, deixa de ser solução e passa a ser sintoma.
Antes de tomar qualquer decisão, pergunte-se:
O comportamento indesejado é isolado ou é padrão entre diferentes pessoas?
O sistema atual reforça esse comportamento?
O que eu, como líder, posso ajustar no sistema antes de atribuir o erro à pessoa?
Essa reflexão muda a qualidade da sua liderança — e a consistência dos seus resultados.
Liderar com intencionalidade é liderar com consciência de sistemas
A proposta da Liderança Intencional é ajudar você a sair do modo reativo e liderar com clareza.
Isso exige mais do que boas intenções, esforço ou discursos motivacionais.
Exige que você identifique os sistemas invisíveis que moldam sua equipe — e tenha coragem de ajustá-los para produzir os comportamentos e os resultados que realmente deseja.
Não espere uma crise para reavaliar seus sistemas.
Quanto mais cedo você assumir o papel de arquiteto da cultura, mais rápido verá resultados consistentes — e menos tempo gastará apagando incêndios.
Liderar com intencionalidade exige que você pare de culpar pessoas e comece a redesenhar o ambiente para que elas possam dar o seu melhor.
Se você chegou até aqui, é sinal de que está comprometido em liderar com mais intencionalidade. Que tal convidar outros líderes da sua rede para receber conteúdos como este? Basta encaminhar ou sugerir que assinem a newsletter.